Legislativo de Paulista: sem transparência e o único de grande porte sem embarque na Era Digital na RMR
- Pernambuco Transparente
- 18 de jul.
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Em 2025, um legislativo municipal que ainda não transmite suas sessões virtualmente e possui baixa transparência representa um sério obstáculo à consolidação democrática e ao controle social. Sob todos os pontos de vista de participação contemporâneos, essa circunstância não configura apenas um problema técnico, mas uma impropriedade sistêmica que compromete a legitimidade e a eficácia da representação. Sobretudo, considerando que Paulista é a 6ª cidade mais populosa de Pernambuco e a 80ª mais populosa do Brasil, onde residem 342.167 habitantes (dados do Censo Demográfico de 2022 do IBGE).
Primeiramente, a ausência de transmissão virtual (seja por 'streaming', plataformas de vídeo ou redes sociais) cria uma barreira física e tecnológica intransponível para a maioria dos cidadãos. Em um mundo cada vez mais digitalizado, a não disponibilização on-line das sessões do Legislativo relega a participação cidadã a um número restrito de pessoas que podem se deslocar fisicamente à Câmara. Isso resulta em um profundo déficit de participação e engajamento, afastando o eleitor das discussões e decisões que impactam diretamente sua vida. Como consequência, a fiscalização dos atos dos vereadores e o acompanhamento das pautas e votações tornam-se praticamente impossíveis para a população, minando o princípio da accountability.
A baixa transparência, por sua vez, é um entrave mais grave por outros ângulos. Ela se manifesta não apenas na falta de transmissão, mas também na dificuldade de acesso a informações cruciais como a folha de pagamento detalhada, contratos, licitações, emendas parlamentares, frequência dos vereadores e o andamento de projetos de lei da Casa. O website da Câmara Municipal também permanece até os dias atuais com praticamente nenhuma atualização com notícias sobre as atividades dos representantes eleitos, mas com obrigações legais de prestar contas de suas ações conforme a Constituição brasileira.
Em um cenário assim, o legislativo municipal atua em uma "zona cinzenta", propícia à discricionariedade, ao clientelismo e à corrupção, que são uma marca histórica da trajetória da Câmara, sempre denunciada em matérias jornalísticas envolvendo a Casa Torres Galvão em operações de combate à corrupção ou cassação de vereadores (desde 1988, ano de promulgação da Carta Magna). Até hoje, a opacidade impede que a sociedade civil, a imprensa local e os próprios órgãos de controle externo (como o Ministério Público e o Tribunal de Contas) exerçam sua função de fiscalização de forma plena. Em 2025, o Legislativo precisou cancelar seu provável único concurso em décadas (?) por irregularidades.
Para as pessoas mais cínicas ou pouco informadas sobre os avanços da cultura de transparência ou transformação digital ao longo dos últimos anos, o legislativo paulistense é o único entre as grandes cidades de toda a região metropolitana do Recife que ainda não realiza ou já realizou em algum momento a transmissão virtual de suas sessões e audiências públicas. Repetindo: o único. Em 2025, não somente a Câmara Municipal de Jaboatão dos Guararapes transmite pelas redes sociais (via perfil oficial no Instagram) suas atividades (a exemplo da audiência recente sobre a questão da segurança pública na cidade), como a equipe de comunicação fortaleceu o ritmo de atualização de notícias no website e visitou recentemente a Câmara da capital da Paraíba, João Pessoa, para aprender boas práticas de interação com a sociedade.
Como atestam arquivos do canal de Youtube (e vídeos de Instagram), o legislativo do município vizinho, Abreu e Lima, já comprovou que pode realizar as transmissões, assim como os canais oficiais dos legislativos das cidades do Cabo de Santo Agostinho; Camaragibe (cujas sessões são igualmente transmitidas por perfis locais da cidade no Instagram e Youtube, como os do 'Portal Camaragibe Agora'); Igarassu, com arquivos de canal de Youtube disponíveis (com aparente interrupção nos últimos anos nas redes, que chegou a ter uma média de mais de 500 visualizações por sessão comprovando o interesse da população em acompanhar assuntos públicos); Ipojuca, via perfil oficial no Instagram; afora os canais da TV Câmara da capital, Recife, e o de São Lourenço da Mata.
Entre as cidades de médio e grande porte da Região Metropolitana do Recife, os últimos legislativos a embarcar na era digital foram os de Paulista e Jaboatão, este último, contudo, como mencionado anteriormente, prepara-se para uma nova dinâmica de relação com a população, e inclusive está de mudança para uma nova sede (uma mudança - diga-se de passagem - necessária, dada a notória precariedade da utilizada, em uma espantosa infraestrutura de moradia). Assim, restou ao de Paulista, portanto, o constrangimento de ser o último legislativo das cidades com centenas de milhares de habitantes destoante da conjuntura vigente moderna, sem presença digital.
De acordo com Censo 2022 do IBGE, a população da Grande Recife era de 3.726.442 de habitantes, sendo a segunda maior do Nordeste (atrás apenas de Fortaleza) e a sétima maior do país. Na comparação com o Censo 2010, quando a população era de 3.690.547 de pessoas, a metrópole teve um crescimento de menos de 1% em 12 anos. A RMR permanece concentrando uma grande parte da população do estado, com 41,79% residindo na região - o que também significa dizer que uma grande parcela dos pernambucanos pôde ter acesso a mais informações sobre a atuação dos órgãos públicos e do trabalho desenvolvido por seus vereadores ao longo da última década.
Com novas composições em 2025, o panorama de alerta nos legislativos, felizmente, é muito diferente após anos de tantas leis institucionalizando o cumprimento de transparência e o estabelecimento de ouvidorias, facilitando enxergar os casos mais graves, como o de Paulista, e flagrantes situacionais, como o de Olinda, que neste ano, reduziu transmissões em seu Youtube e paralisou as informações nas redes sociais e no website. Os demais de porte menor, contribuem para evidenciar que os novos tempos vieram para todos: afinal, mesmo na Ilha de Itamaracá, ou mais ao interior de Moreno, a população acompanha os debates de seus parlamentares locais virtualmente. Logo, não cabem mais justificativas para anacronismos.
O impacto disso é multifacetado, com deterioração da confiança, além de políticas públicas ineficazes baseadas em processos decisórios frágeis e 'sub-ótimos' (sem o escrutínio e debate amplificado que poderia ser oportunizado pelos legislativos). O empobrecimento do espaço de debate público, sem o conhecimento do que é discutido e votado, aliás, alimenta a superficialidade e desinformação, dificultando a cobrança de promessas e a avaliação da performance dos eleitos. A ausência de visibilidade permite ademais, a perpetuação de vícios, práticas antiquadas e antirrepublicanas como o coronelismo e o nepotismo, especialmente em municípios com estruturas de poder mais arraigadas.
Em um contexto de crescente demanda por governos abertos e digitalizados, um legislativo municipal com essas características não apenas falha em cumprir seu papel constitucional, mas também se posiciona na contramão do progresso democrático e socioeconômico, isolando-se da sociedade que deveria representar e servir.

Criadora do Pernambuco Transparente, Raquel Lins é Bacharel em Ciência Política com ênfase em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Pernambuco (2013). É especialista em Planejamento e Gestão Pública pela Universidade de Pernambuco (2016) e possui MBA em Auditoria e Inovação no Setor Público pela FEA-USP/IRB (2024). Atua em temas relacionados à promoção da transparência e integridade governamental, governo aberto, controle e inovação em políticas públicas - tendo desenvolvido experiência prática através da criação do projeto pioneiro Pernambuco Transparente em 2018, visando estimular a compreensão do assunto pela sociedade, e como um de seus resultados, lançado o portal Dados Abertos Pernambuco, plataforma com amplo acervo didático sobre o universo da abertura de dados e reconhecida com voto de aplauso pela Câmara Municipal do Recife.




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