Mês do Meio Ambiente: Corrupção e Fraca Gestão devastam RMR
- Pernambuco Transparente
- 6 de jun. de 2021
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Atualizado: 6 de jul. de 2021
No Dia do Meio Ambiente (5 de junho), marcado por protestos contra a política conduzida pelo governo federal em todo o país, temos muito pouco a comemorar igualmente em Pernambuco: a efetividade em gestão ambiental é crítica em quase todas as cidades (como aponta Índice especial do TCE PE, por meio de avaliação que existe em todos os estados brasileiros) - no recorte dos 14 municípios metropolitanos, apenas 3 (Camaragibe, Ipojuca e Recife) não apresentam o pior patamar ("C"), estando o primeiro e o último em uma faixa intermediária. Lamentavelmente, de agravante, amargamos um histórico de prefeitos envolvidos em denúncias de corrupção por contratos de lixo ou projetos danosos às orlas, repletas de desorganização de todos os tipos, prejudicando até mesmo o potencial turístico e econômico.
Entre os casos recentes, Paulista é um dos que mais sofreu consequências: o afastamento do ex-Secretário de Meio Ambiente de seu posto no Ibama, e do próprio ex-prefeito, durante o mandato, por irregularidades no contrato do lixo (emendando este ano denúncias de envolvimento em esquema fraudulento de autorização de obra em uma praia). Mais não escapam. O atual prefeito de Itamaracá (cujo mandato está sub judice), por sua vez, já chegou a ser afastado em gestão anterior por fraudes de limpeza urbana. Problema vergonhoso em Porto de Galinhas (Ipojuca), o despejo de esgoto poderia estar amenizado se contratos para obras de saneamento não tivessem sido alvo de desvios.
A má gestão traz, conjuntamente, pouco êxito dos mecanismos de intervenções. Um quadro ilustrativo é o do "Canal do Fragoso", de Olinda - chamado popularmente dessa forma, o "Canal" é na verdade, um Rio. A acelerada expansão urbanística desacompanhada de aprimoramento da capacidade estatal, gerou e seguirá resultando, em soluções pouco amenizadoras, porque não são embasadas na raiz dos transtornos: a construção de edificações em áreas que deveriam ser evitadas exatamente por serem tomadas pela expansão de leitos em períodos chuvosos. Exemplo notório nacionalmente, são de igual modo, as "Marginais Tietê" (como o nome sugere, construídas às margens do rio paulista), eternamente preenchidas por suas águas, ano após ano, durante os ciclos de chuva. O revés, infelizmente, longe de ser um fenômeno local, é generalizado em todo o Brasil.

Falando em água, impossível não lembrarmos de outro grave dilema do estado: o Saneamento. A água é um bem precioso no meio ambiente e um aliado primordial no cotidiano, item de primeira necessidade em tempos de coronavírus. Sem informações disponíveis sobre a execução dos Planos Municipais de Saneamento, nem mesmo da capital (que detém uma das piores posições nacionais e globais), contamos com o programa Cidade Saneada, cuja estimativa é chegar aos níveis de 53% do território metropolitano saneado em 2025, 75% cinco anos depois, e 90% em 2037.
O Programa, que consiste em uma PPP instaurada pelo Governo do Estado de Pernambuco com a finalidade universalizar o esgotamento sanitário da RMR e Goiana (a maior do país no setor, operacionalizada pela Compesa/BRK Ambiental), praticamente não oferece transparência ao cidadão interessado em acompanhar o empreendimento: embora a Companhia disponha um acervo de relatórios anuais de desempenho (bastante resumidos), a seção "Ações e Programas" de seu portal exibe um mero planejamento desatualizado (LOA de 2019). Em tempos de ferramentas de visualização de dados modernas (como Microsoft Power Bi), a parceria público-privada mais destacada, com vastos aportes da CEF, é um modelo do que não seguir em prestação de contas, uma vez que nenhum painel permite monitorar a evolução das obras.
Em arborização, aplicação mais associada ao ambientalismo na perspectiva mais comum, há constantes reclamações da população sobre as podas na capital: é perceptível que em várias circunstâncias, chega a retirar a valorosa oferta de sombra, deformando as plantas inclusive onde não há postes próximos ou registros de quedas frequentes (como na Rua Charles Darwin, que antes da passagem da equipe da Prefeitura em maio deste ano, era uma das raras no bairro de Boa Viagem com tal benefício). O assunto, que foi debatido na sexta-feira (04 de junho), em audiência pública virtual da Câmara do Recife (com íntegra no canal de Youtube do legislativo), atinge outra reivindicação crucial da Grande Recife: o avanço da ciclomobilidade.

Sem corredores aprazíveis, difícil encorajar a população que não adota o modal no dia a dia. Em relatório comentado no Youtube, e elaborado a partir de pedidos de informação com uso da LAI, a Associação de Ciclistas da Região Metropolitana (com 8 anos de atividades) explica o pouco que foi concretizado do Plano Diretor Cicloviário Metropolitano. Outros dados podem ser encontrados no portal exclusivo de análises da Ameciclo.
Dentro da questão da mobilidade, o Fórum SocioAmbiental de Aldeia (fundado há 18 anos) luta contra o desenho do trecho norte do Arco Metropolitano, que poderia cortar a Área de Proteção Ambiental Aldeia-Beberibe (a licitação da parte sul se encontra sob auditoria especial do TCE). Como todas as APAs, guarda uma substancial justificativa para receber tal classificação: mantém a última imponente reserva de Mata Atlântica do estado e reúne inúmeras fontes hídricas, podendo ocasionar perdas inestimáveis se atingida (entenda melhor em live de esclarecimento). A causa, de imensa relevância, foi defendida em manifestação conjunta de secretários municipais de meio ambiente dos municípios envolvidos. Uma reportagem da Globo também percorreu o traçado sugerido pela entidade, evidenciando a ampla virtude estruturadora.
Apesar de toda essa conjuntura, a RMR encerrou em 2019 o funcionamento do seu último lixão, tendo como desafio agora fortalecer a educação ambiental e a reciclagem. Nesse aspecto, em todo Pernambuco, uma atuação sinérgica dos órgãos de controle contribui para o progresso do fim dos lixões. Segundo a ONU, a reciclagem pode reduzir em um terço os prejuízos no meio ambiente até 2030 e restaurar 15% de terras comprometidas, evitando assim a extinção de milhões de espécies e a manter o aquecimento global abaixo de 2ºC. A Pandemia, no entanto, intensificou o descarte irregular, conforme estudos. Em muitas economias em desenvolvimento, o reaproveitamento é realizado por milhões de catadores, que no Brasil, chegam a ser responsáveis por 90% dele, animando um mercado superior à 12 bilhões de reais por ano.
Eles podem estar no front da sustentabilidade, mas suas vidas são frequentemente cercadas por condições de trabalho insalubres, falta de direitos e estigmas sociais. O Banco Mundial aponta em seu relatório What a Waste 2.0 que, quando catadores são devidamente apoiados e organizados, a reciclagem informal pode criar empregos, aumentar a competitividade industrial do entorno, reduzir a pobreza e diminuir gastos municipais. Esse compromisso é ainda incipiente na RMR, sendo Jaboatão a única considerável referência, mediante um programa de Coleta Seletiva criado em 2009 e premiado pela ONU. Em depoimento acima, uma catadora explica a importância de seu trabalho e adiante, um vídeo institucional esclarece a trajetória:
Além dessa superação, pelo menos quatro grandes cidades da região deverão universalizar a transição de seus parques energéticos para a iluminação em LED: Cabo, Jaboatão, Olinda e Recife - Paulista está na metade. Outras, estão modernizando seus sistemas aos poucos, como Abreu e Lima, Igarassu pela substituição no sítio histórico e nas avenidas centrais, Ipojuca abarcando os centros turísticos, Itapissuma (que pretende alcançar a totalidade neste mandato), afora São Lourenço da Mata. A adoção individual de formas de produção de energia limpa é ainda impulsionada através da Celpe, que possui o Programa Bônus Solar (iniciado em 2019), com descontos para compra de placas solares residenciais, e parcerias para recarga de carros elétricos. Em 2021, o grupo anunciou que os clientes poderão monitorar o consumo privado em tempo real, consultando um aplicativo.
Cabe salientar que os governos municipais deveriam ser os principais incentivadores de melhores práticas em toda a sociedade: englobando o já existente repasse do ICMS Ecológico (que são recursos estaduais destinados aos municípios que preenchem requisitos de políticas socioambientais), o IPTU Verde e estratégias de educação ambiental coordenadas com amplas colaborações, podem ser um influente fio condutor de transformação. O IPTU Verde é um programa que aplica descontos, em diferentes níveis, para contribuintes que adotam padrões sustentáveis em sua propriedade, e representa um passo importante no rumo para o estabelecimento de cidades mais inteligentes (confira abaixo como é oportunizado em Camaragibe e um vídeo oficial aqui). Adicionalmente, uma ativa governança metropolitana pode ajudar, e o Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado (PDUI-RMR), prestes a ser concluído, está aí para isso (assista um debate promovido pela CREAPE sobre a dimensão dele).
Iniciativas únicas incluem o programa pioneiro "PE Solar", do Governo de Pernambuco", que fomenta a implantação de pequenas usinas para geração de energia solar por domicílios e empresas, e o Programa de Eficiência Energética da Celpe, que viabiliza usinas fotovoltaicas em prédios públicos (a exemplo do novo convênio com o TRF5). A cooperação internacional abriu outros caminhos para Recife: como associada ao ICLEI (a maior rede internacional de cidades pela sustentabilidade no mundo), foi selecionada para um Laboratório de inovação, no qual receberá apoio técnico para tornar financiável propostas de eficiência energética com instalação de painéis solares em equipamentos públicos. O Hospital da Mulher do Recife foi escolhido como piloto para teste.
Por fim, esperançosamente, sobressai a boa novidade da formação de um Fórum Ambiental, unindo diversos coletivos que surgiram para enfrentar o preocupante contexto metropolitano, recorrendo ao engajamento em ações de educação ambiental e controle social de políticas públicas. Essenciais para assegurar um desenvolvimento mais sustentável e equitativo, os movimentos cívicos têm papel indispensável na conscientização a respeito dos estragos causados por supressão de restingas nas orlas (acarretando reiterados e fortes processos de erosão marinha - como registrado na Praia do Sossego, em Itamaracá), demandas por novas unidades de conservação, e a vigilância de obras no litoral, absolutamente fragilizado pelos desgovernos.

Sempre enfatizamos que a abertura de dados é um salto para o melhor dos futuros. Mais do que transparência financeira, precisamos dos dados das nossas cidades para acelerarmos a construção de respostas frente aos enormes desafios. Não só os ativistas acima, mas experts tecnológicos somam forças para fazer a diferença: são heróis sem super fantasias, mas que usam o saber científico moldando saídas, como a do App "Replant", idealizado com base no Portal de Dados Abertos da PCR, para promover integração social entre comunidades, fornecendo dicas de cultivo de hortas urbanas, estimulando as pessoas a optarem por uma alimentação livre de agrotóxicos e terem mais contato entre si e com a natureza. Afinal de contas, um mundo mais verde é missão de cada um de nós!
Raquel Lins é Cientista Política (UFPE), especialista em Planejamento e Gestão Pública (UPE) e criadora do Pernambuco Transparente. Participou da Rio+20, maior conferência já realizada pela ONU sobre meio ambiente, como representante da sociedade civil nos "Diálogos Sustentáveis". O projeto é comprometido com a Agenda 30, maior iniciativa global pelo desenvolvimento - saiba mais sua trajetória aqui.

🌱 Além dos debates já mencionados ao longo do texto, recomendamos os listados para quem desejar se aprofundar ainda mais. Muitos conteúdos virtuais e discussões voltadas à Semana do Meio Ambiente podem ser encontrados, complementarmente, no canal da Secretaria Estadual do Governo de Pernambuco no Youtube:
Alagamentos no Recife: Uma Abordagem Histórica - Entrevista com o Conselheiro do CREA PE, engenheiro civil e de segurança do trabalho, Luiz Antônio Melo;
Debate Arborização Urbana e a Qualidade Ambiental das Cidades - o Engenheiro Agrônomo Pedro Mendes Castro e a Engenheira Agrônoma Ana Rita Leandro dos Santos tecem considerações sobre esse importante tema;
Expedição "Rio Capibaribe" - Em 2017, a deputada estadual Priscila Krause percorreu todos os principais do Rio (da nascente à foz), mostrando o cenário encontrado nos locais e os transtornos decorrentes da falta de cuidados. Os registros em vídeo estão disponíveis na íntegra no Youtube;
Live Programa Cidade Saneada - Entrevista com Manuela Marinho, Presidente da Compesa, para o Lide Pernambuco;
Documentário "Entre Rios", de São Paulo - O pequeno filme conta a história da cidade de São Paulo sob a perspectiva de seus rios e córregos. Até o final do século XIX esses cursos d’água foram as grandes fontes da cidade. Hoje, escondidos pelas canalizações, passam despercebidos pela maioria dos paulistanos. Mas, na época de chuvas, a cidade para quando as enchentes mostram a face soterrada da natureza local;
Lançamento do Plano de Monitoramento da Biodiversidade, da CPRH - O monitoramento possibilitará um maior conhecimento sobre a realidade, para realização de intervenções mais eficazes em prol da conservação da biodiversidade, e assim, aprimorar a qualidade da proteção ambiental;
Lançamento do Programa UC Pernambuco - Trata-se do programa UC Pernambuco. Com a iniciativa, 41 Unidades de Conservação Estaduais vão ganhar planos de manejo ou terão suas pesquisas renovadas. Os trabalhos, que iniciaram em 2021, devem ser concluídos até janeiro de 2023;
Lixões: dos problemas à solução - Live do rol de discussões promovidas pela SEMAS PE em prol da restauração de ecossistemas durante a Semana do Meio Ambiente;
Fórum Pernambucano Municípios Lixo Zero - O Fórum tem como objetivo apresentar boas práticas e tecnologias que colaboraram com uma gestão eficiente de resíduos sólidos, gerando renda, empregos, preservação dos recursos naturais e colaborando com a diminuição da emissão dos gases de efeito estufa;
Salve Maracaípe critica na Alepe a Extinção das Restingas - Reunião da Comissão de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Assembleia Legislativa discutiu a invasão de mangues e restingas em Ipojuca, confira a íntegra;
Catadores e a invisibilidade social | TEDx Rafael dos Santos (Bahia) - Rafael dos Santos, conhecido como Bahia, é catador de recicláveis há 30 anos e participante do projeto “Pimp my Carroça”, divulgando o grafitti e dando visibilidade aos catadores de lixo. Ele conta como os catadores são verdadeiros agentes ambientais e por que precisam de mais visibilidade perante a sociedade e o Estado.
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