Nota Pública | Em Defesa do Plano Diretor de Taquaritinga do Norte e a Preservação Histórica em PE
- Pernambuco Transparente
- 26 de out. de 2021
- 6 min de leitura
Atualizado: 23 de mai. de 2022
Taquaritinga do Norte é um município do agreste de Pernambuco, na microrregião do Alto do Capibaribe, em divisa com o estado da Paraíba. Primitivamente, fora uma taba de índios (o nome tem origem indígena - itacoaraetetinga, ‘’buraco da pedra’’), começando a ser mais ocupada em meados do século XVIII. Administrativamente, é composto pelo distrito-sede, Gravatá do Ibiapina e Pão-de-Açúcar e pelos povoados de Vila do Socorro, Gerimum, Mateus Vieira e Algodão. É conhecido como a "Dália das Serras", por apresentar muitos exemplares desta flor em suas praças e possui um clima relativamente ameno, com temperatura suavizada pela altitude, incluindo-se no circuito do frio.
Rica em paisagens naturais (com vários mirantes especiais para apreciação) e em oportunidades para vivenciar atividades campestres, a cidade é uma das poucas a oferecer ar puro, preservar casarios antigos (como no distrito Gravatá do Ibiapina) e um centro histórico com praças com a beleza das Antônio Pereira de Lucena e Pe. Otto Sailler.

É nesse ainda resguardado patrimônio que ocorrem as mais relevantes celebrações da cidade, trazendo nomes importantes da música popular pernambucana e brasileira, junto com espetáculos de artes cênicas, encontros de cultura erudita, mostras de audiovisual, fotografia, ações de moda e design, entre outras, integrando programações totalmente gratuitas de festivais como a Festa das Dálias (que impressiona por alcançar um público médio de 80 mil pessoas nos dias do evento, muito superior ao da população local, de aproximadamente 30 mil habitantes), o Curta Taquary (Festival Nacional de Curta Metragem, em sua 14ª edição) e o Festival de Café Orgânico, que nos leva ao atributo de fama recente das terras taquaritinguenses.
O município passou a ser conhecido como a Capital do Café (título concedido pelo Legislativo Estadual) porque, atualmente, é o maior produtor de café em Pernambuco, sendo responsável por mais de um terço do cultivo em todo estado - inclusive contando com a Associação dos Produtores Orgânicos de Taquaritinga (Aprotaq), unindo dezenas de empresas. Dentre os principais pontos turísticos da cidade estão a Rampa do Pepê, a Igreja de Santo Amaro, o Coreto central, além dos tradicionais cafés. Nos últimos anos, após o prestígio de Garanhuns por sua transformação no período natalino, a cidade vem aproveitando igualmente sua temperatura agradável e praças ornamentadas para oferecer um destino de "Natal Serrano".
Os principais atrativos são situados em seu centro histórico, o que torna fundamental reconhecer a preservação da arquitetura e sua paisagem em si não somente como um ativo turístico para visitantes, mas para manter este núcleo basilar como catalisador de crescimento econômico. Tal entendimento, infelizmente, parece ter passado batido para um grupo de vereadores da vigente legislatura, que resolveu promover um expediente adicional e imprevisto ao já aprovado Plano Diretor. Desenhado a partir de audiências públicas com envolvimento da sociedade e dos próprios representantes da Câmara Municipal, o referido Plano conquistou um raro reconhecimento na Alepe ao trabalho pioneiro conduzido pela Agência estadual CONDEPE/FIDEM, alicerçado nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da ONU.
Desmerecendo essa notoriedade e o próprio processo amplamente participativo de elaboração, alguns vereadores pretendem incluir “emendas” que podem ameaçar esse importante sítio (confira o texto a ser costurado). A limitação de não terem noções ideais sobre a magnitude da conservação do conjunto histórico e sua relação direta com o turismo (como em Olinda e Igarassu, na região metropolitana), parece atingir a classe política da cidade de maneira geral, considerando que a Prefeitura chegou a ser punida poucos anos atrás (por atuação do Ministério Público de Pernambuco) ao cobrir de asfalto o calçamento da parte antiga (!).
Tamanho absurdo, contudo, teve quem o enfrentasse, assim como é crucial que o descalabro desses parlamentares não seja acordado em votação prevista nesta terça-feira (26 de outubro). Uma postura que os mais diversos representantes de segmentos sociais criticaram durante audiência pública na última sexta-feira (22), com direito a apenas cinco minutos de fala por inscrição, mas com grande precisão e altivez, em um verdadeiro exercício de cidadania. Falas inspiradoras em defesa de um projeto legitimado dentro das mais elevadas perspectivas e que se não referendado em sua integralidade, pode ocasionar impactos bastante negativos e indesejados aos moradores.
A linha de argumentação visando a alteração demonstra a incompreensão dos vereadores sobre o tema, associando asfalto em sítio histórico com desenvolvimento, quando em cidades de características semelhantes mesmo em Pernambuco, tal uso é evitado no entorno dessas áreas especiais. Casarios abandonados são desafios, por sua vez, de todos os sítios históricos do país, e não particulares, o que assevera a ignorância do panorama sobre políticas públicas relacionadas ao problema. A solução, longe de passar pela descaracterização, abarca a criação de mecanismos de incentivos para os interessados em empreendimentos nestes privilegiados contornos.
A capital pernambucana é uma fonte de êxitos nesse sentido, com o seu ilustre Porto Digital, uma referência no país de estabelecimento de um polo tecnológico atrelado à conservação de prédios históricos, o que rendeu prêmios: foi vencedor da 30ª Edição do Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade, promovido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). A homenagem é um reconhecimento das ações de revitalização do Bairro do Recife, conduzidas, de forma direta ou indiretamente pelo parque tecnológico, há cerca de quase 20 anos. O Porto foi contemplado na categoria “Excelência em Gestão Compartilhada do Patrimônio Cultural”.
Até o período, mais de 80 mil metros quadrados de edificações históricas do Bairro do Recife tinham sido recuperadas, mas outras seguem em curso a partir do Núcleo de Gestão do Porto Digital, que restaurou pelo menos oito imóveis no centro da cidade (sete no bairro do Recife e um em Santo Amaro): as empresas e instituições e associações que fazem parte do parque tecnológico identicamente desempenharam um papel decisivo nesse marco. Na ocasião, explicou o arquiteto e diretor-executivo do parque tecnológico, Leonardo Guimarães: “As pessoas sempre associam o Porto Digital ao desenvolvimento tecnológico, às empresas que desenvolvem soluções inteligentes, mas temos esse legado em paralelo que é também muito importante: somos um instrumento de transformação de áreas históricas do Recife e, por isso, esse prêmio tem um significado especial para nossa equipe”.

Com protagonismo na reabilitação de áreas centrais, a instituição oportunizou em seu canal oficial no Youtube este ano debates sobre o assunto, através do "1º Seminário Internacional de Reabilitação de Áreas Centrais", inteiramente à disposição:
Apesar dos avanços, no Recife Antigo, até hoje transcorrem polêmicas sobre edificações irregulares (autorizadas em tempos passados), como é o caso bastante divulgado de um prédio destoante na Rua do Bom Jesus (cuja modificação foi autorizada há 70 anos). A via foi pedestrianizada em 2021 (proibida a passagem de carros), e eleita uma das ruas mais belas do mundo por revista internacional.
Em Olinda, a sociedade civil auxilia na proteção e nos cuidados com o sítio histórico desde 1980, quando foram fundados a Sociedade Olindense de Defesa da Cidade Alta (SODECA) e um Conselho de Preservação dos Sítios Históricos de Olinda (CPSHO). A cidade é conhecida pelo seu carnaval nas ladeiras e apreciado casario, bem como possui Plano Gestor do Sítio Histórico, que em breve deverá ter condições de ser finalmente executado, em virtude do anunciado concurso público para essa política, diretamente ligada ao perfil do município. Aqui, a intervenção do MPPE similarmente sagrou-se indispensável, após reiteradas demandas ao governo municipal.
A incansável luta pela sua preservação é o que manteve seu grande potencial turístico, como destaca o falecido renomado urbanista José Luiz Mota Menezes, em pequeno vídeo abaixo. O patrimônio histórico é o retrato de nossa identidade social e cultural, mas nas terras pernambucanas, tem um significado visceral como eixo impulsionador de sobrevivência através do turismo (primeira atividade a retomar evolução aos níveis pré-pandemia): afinal, o que buscamos como turistas é o singular, o único, aquilo que não podemos encontrar em nenhum outro lugar. É essa procura a sua força motriz. Por isso, quando esquecemos esse olhar, as consequências para o nosso crescimento são mensuráveis. A Europa deslumbra por ostentar cidades onde modernidade e as janelas do tempo podem ser vividas: Londres, uma das capitais mais antigas, possui um firme compromisso em exibir seu passado.
Por fim, no que diz respeito ao aspecto essencial e devido da acessibilidade (um direito humano), cabe o esclarecimento que inúmeras possibilidades de aprimoramento foram discutidas e experiências bem-sucedidas relatadas em blogs de pessoas que delas precisam, como detalham os Cadeira Voadora, Mão Na Roda e o Blog do Cadeirante - sem esquecer de mencionar o jornalismo independente do pernambucano Eficientes, que mapeia turismo com adaptações para esse público em nossa realidade. A Bahia, estado vizinho, oferece aos visitantes do famoso Pelourinho rotas delimitadas, caminhos que preservam a estrutura histórica com trilhas exclusivas para indivíduos com necessidades diferenciadas de locomoção. Ademais, em todo o Brasil, os Conselhos de Arquitetura e Urbanismo (CAUs) podem contribuir com expertise e acervo à disposição.
Se há um verdadeiro sinal de que o progresso de Taquaritinga é digno de reputação, é por ter uma sociedade que na medida de suas barreiras, dedica-se a acompanhar e discutir os rumos da cidade de maneira tão qualificada e expressiva, à luz das melhores evidências técnicas e científicas - afora o grande senso de pertencimento. Essa certamente é a maior riqueza da 'Dália das Serras': um povo cada vez mais esclarecido que levanta sua voz e realiza esforços cívicos na construção perseverante de um presente e futuro condizentes aos melhores padrões nacionais e globais de desenvolvimento.
Raquel Lins é Cientista Política (UFPE), Pós-Graduada em Planejamento e Gestão Pública (UPE) e criadora do Pernambuco Transparente. Participou da Rio+20, maior conferência já realizada pela ONU sobre meio ambiente, como representante da sociedade civil nos "Diálogos Sustentáveis". O projeto é comprometido com a Agenda 30, maior iniciativa global pelo desenvolvimento - saiba mais sua trajetória aqui.
| Créditos imagens divulgações oficiais e G1, demais sinalizadas ao longo do artigo.
Comentarios