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A Reforma Administrativa (PEC 32) e a ameaça a um Futuro Melhor para PE e o País

França, Singapura, Alemanha, Japão. O que todos esses países possuem em comum? Uma cultura de maior excelência dos serviços públicos. No país que em 1789, legou ao mundo os valores republicanos através da Revolução Francesa, um dos ex-presidentes (Sarkozy), foi duramente ridicularizado ao longo de seu governo, não só por seu talento para declarações polêmicas, como por ter sido o único em tempos contemporâneos a não ter formação na famosa e tradicional escola de lideranças públicas, a ENA.


Como detalha a agência Reuters, "a Ecole Nationale d'Administration (ENA) admitia menos de 100 alunos por ano, mas seus egressos ocupavam os cargos seniores da máquina, da política e dos negócios do Estado. Produziu dois presidentes, milhares de funcionários públicos, dezenas de ministros e uma sucessão de executivos-chefes de empresas de primeira linha desde a sua fundação em 1945". A maioria dos graduados, no entanto, pontua, permaneceu no serviço público, "com apenas 20% indo para o mundo dos negócios e menos de 6% para a política". Tal supremacia gerou, por vezes, críticas: o gabinete de Sarkozy, ao contrário do costume, quase não ostentou énarques, alvo de seus ataques.


Após oito décadas, a partir de 2022, o atual Presidente (Emmanuel Macron, ele próprio um énarque) anunciou o cumprimento de uma de suas promessas de campanha: a França deixará de recrutar e educar seus altos funcionários na ENA, passando a fazê-lo por meio do novo Instituto de Serviço Público (ISP), que entretanto, manterá a sede em Estrasburgo e o mesmo método de seleção por concurso. O diferencial será uma redução do elitismo e adoção de mecanismos que favoreçam maior diversidade de formação de quadros. O ISP irá incorporar reformas que haviam sido implementadas na antiga ENA (em foto a seguir à direita) - como a criação de vagas específicas para candidatos de bairros desfavorecidos, por exemplo.


No Brasil, a Escola Nacional de Administração Publica (ENAP) inaugurou no país tradição semelhante em 1986 (após o fim da ditadura militar), oferecendo capacitações de ponta para servidores públicos federais e posteriormente, de todos os entes, em meio virtual. Nos demais países, a cultura de alta capacidade técnica também foi responsável por uma aura de elite ao funcionalismo público. Algo que em si não prejudica a sociedade, está nas raízes da boa qualidade dos serviços utilizados pela maioria da população, dos pobres aos ricos e até políticos, em muitos casos.





Em Pernambuco, o Índice de Efetividade de Gestão, um estudo oportunizado pelo TCE em conjunto aos demais Tribunais de Contas estaduais, prova por que essa cultura é a base de um serviço de sucesso: mesmo na região metropolitana, a esmagadora parcela das prefeituras exibe os piores patamares de performance, tragicamente em diversos dos 7 indicadores observados. Com uma maioria dos servidores municipais nomeada através de indicações (não só em prefeituras, mas especialmente nos Legislativos), a realidade sofrível da baixa capacidade técnica dos recursos humanos é sentida diariamente pelos mais de 70÷ de pernambucanos que precisam recorrer aos serviços. Quase a totalidade, até mesmo, se obtivesse melhoria de renda, optaria por redes privadas.


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Ainda que a Constituição determine a obrigatoriedade do concurso público enquanto forma prioritária de ingresso em órgãos dessa natureza (art. 37), por alguma razão desconhecida, em provável falha de atuação sinérgica e eficaz dos sistemas de justiça (MPPE/TJPE) e de controle externo (TCEPE), a burla ao mecanismo sagrou-se a regra no estado, o que ajuda a explicar a hecatombe que vivenciamos diariamente (com a vasta maioria dos governos municipais situada nas faixas de desempenho amarelas e laranjas, as piores) e as reportagens quase que diárias denunciando problemas. A corrupção, por sua vez, longe de andar separada da precariedade administrativa, anda de mãos dadas: com o loteamento de cargos e substituição de servidores que eventualmente, possam incomodar por fazer críticas diretas à condução de políticas públicas.


Para horror da população, o grave cenário vai além do Poder Executivo, abarcando identicamente o Legislativo. Levantamentos em portais de transparência feitos pela sociedade e até por iniciativas especializadas como a Cidadão Fiscal (que desenvolveu uma tecnologia especial), mostrou que mais de 80% dos servidores da própria ALEPE e da Câmara do Recife são comissionados. A assustadora proporção estende-se aos legislativos locais (em maior ou menor grau em todo o país), inclusive nas grandes cidades, como ilustram Igarassu e Petrolina, cujas Câmaras realizaram os seus primeiros concursos (de toda a história) em 2019. Os certames, entretanto, ao invés de equilibrarem os quadros, foram para pouquíssimas vagas.


Nas terras pernambucanas, não escapam nem os estágios. Uma das maiores violências contra os jovens, praticamente apenas os MPs, TCEPE e o Poder Judiciário possuem processos seletivos transparentes e concorrenciais, enquanto os demais seguem imersos em penumbra. Sem políticas e parâmetros apresentados (períodos de chamadas, vagas, cursos, remuneração, nada disso se sabe), chegamos ao ponto de termos a figura dos "estágios voluntários". O obstáculo ainda pode sinalizar para relações questionáveis entre governos e instituições de ensino privadas, já que diversos prefeitos anunciam em redes sociais parcerias para estágios com tais entidades, sem qualquer constrangimento. Aqui, cabe o reforço do princípio de publicidade e de seleção para interessados indistintamente, atentando para o fato de que são órgãos públicos.


É consagrado que os resultados de qualquer organização e iniciativa humanas dependem de dois fatores: os recursos humanos (capacidades humanas) e tecnológicos. Sem recursos de TI (um dos indicadores do Índice dos TCEs), restariam os de pessoal. E, como não conseguimos viabilizar a priorização das medidas que geram excelência dos serviços em países mais desenvolvidos, temos um retrato desastroso. Com a livre nomeação, torna-se claro porque as 'rachadinhas' grassam no Brasil, e fazem do Legislativo um Poder praticamente disfuncional, que não exerce suas prerrogativas mais importantes, como a fiscalização e representatividade aberta, de reforço à participação da sociedade.


Compreensivelmente, o ilustre e pioneiro defensor do controle social e da criação da Lei de Acesso à Informação no país, o matemático e precursor do jornalismo de dados, Cláudio Weber Abramo (fundador da Transparência Brasil), manifestava que a maior das reformas políticas seria a redução da livre possibilidade de nomeação de cargos. Hoje, ela atinge as centenas de pessoas (notabilizadas através do caso Queiroz, gravado mencionando que teria 500 à disposição no Congresso). Não só a sua redução impactaria positivamente os rumos da cambaleante democracia brasileira, mas ampliaria a integridade e aprimoramento da gestão pública em múltiplos aspectos: o da governança e moralidade (contenção do nepotismo), e por conseguinte, a efetividade.


A maior evolução no combate à corrupção, discernia bem, seria mediante o incentivo a uma cultura de excelência, evitando a necessidade de tantas operações e desgaste recorrente da exposição negativa dos políticos. Um progresso amplamente benéfico, se exitoso e institucionalizado, fundamentado em regras gerais. Claro que não se trata de uma defesa de extinção completa dos cargos em comissão, eles existem mesmo na Casa Branca (EUA), sendo utilizados para a convocação de experts renomados objetivando o encontro mais rápido de respostas para momentos de crise ou situações complexas - o que ocorre é que no Brasil, houve uma desvirtuação da utilização desses cargos.



Ao propor o caminho exatamente oposto, o da liberação e derrubada de critérios já legitimados mundialmente como essenciais para o sucesso da administração pública, a PEC 32, Proposta de Emenda Constitucional enviada ao Congresso por Jair Bolsonaro, tramita na Câmara dos Deputados e, inevitavelmente, vem sendo frontalmente combatida não só por categorias de servidores, mas entidades civis. Afinal, define os rumos da vida de todo(a)s nós. O serviço público está em nossas vidas da vacina contra a covid-19, ao momento do nascimento e nosso último suspiro. A análise neste recorte na realidade das chamadas "carreiras típicas de Estado" é suficiente para demonstrar que a preocupação é relevante: e se isso se tornar o padrão das áreas de Educação e Saúde, que concentram 80% dos servidores?


Sem surpresa, justamente as fontes seguras de bom funcionamento do serviço público estão onde há ilhas de servidores concursados, como nas Secretarias de Planejamento do Governo e da capital, afora suas Controladorias. Equipes que não só contribuem para uma atuação destacada onde estão lotadas, mas para capacitação de outros setores. Já no Legislativo, a Consuleg, consultoria concursada e de alto nível técnico da ALEPE, é responsável por estudos pedagógicos e acessíveis, disponíveis no website oficial do legislativo estadual. Todas essas estruturas são recentes: incorporações ocorridas ao longo da última década, além de exceções à regra. São, contudo, modelos referenciais de que onde há qualificação e processos seletivos conforme a Constituição cidadã de 1988, o serviço público de Excelência emerge e reluz, trazendo desenvolvimento.


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Assim, fica a reflexão: que presente e futuro queremos para nossas vidas? Para nossas cidades, nosso estado? É o que tivemos até aqui, e a continuidade de um atraso, estimulando a incessante evasão de especialistas das ciências aplicadas e humanas? O retrocesso onde ainda há resquícios de satisfação, por meio de profissionais competentes e comprometidos com o patrimônio coletivo? Ou o avanço de regras como pensadas por Abramo (falecido em 2018)? Seria agora a ocasião mais adequada para discussão de uma Reforma Administrativa?


O que pensa você? Como votará nesta decisão, o deputado federal que escolheu para representar sua voz?


Raquel Lins é Cientista Politica (UFPE), Pós-Graduada em Planejamento e Gestão Pública (UPE) e criadora do Pernambuco Transparente.

Servidores protestam contra PEC32 - Foto: Fonacate

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