Ativismo que Transforma | Amigos do Trem e a preservação do patrimônio ferroviário em PE
- Pernambuco Transparente
- 24 de jan. de 2022
- 9 min de leitura
Atualizado: 27 de jan. de 2022
O Pernambuco Transparente, projeto que há 4 anos ajuda a promover a transparência e integridade públicas a partir de um foco metropolitano, iniciou a abertura de seu blog como um canal para divulgação de atuações compromissadas e referenciais no estado com o propósito de desenvolvimento da cidadania: contribuição que também temos como objetivo. O Acesso à Informação, mais do que um direito que consagra o alcance de qualquer cidadão a dados por natureza públicos, é igualmente essencial para o aprimoramento do controle social estabelecido na Constituição Federal (reforçado com a Lei de Responsabilidade Fiscal e a recente Lei de Defesa do Usuário de Serviços Públicos). O avanço desta cultura é a base de uma nova cidadania, que desejamos incentivar, na busca de um progresso mais justo e sustentável.
Por entendermos esse importante papel e seu caráter transversal para o impulsionamento da qualidade de políticas públicas, estamos em constante diálogo com outros movimentos da sociedade - e além da postura que já adotamos de divulgar suas experiências em nossas redes sociais, intensificamos agora por meio de nosso portal. As iniciativas serão apresentadas por seus próprios criadores, nas suas próprias palavras. Caso deseje ter a história da sua luta aqui é só entrar em contato!
Na nossa quarta publicação (leia as anteriores aqui), conheça o trabalho magnífico da ONG Amigos do Trem, que há quase uma década luta pela preservação do patrimônio ferroviário em Pernambuco em conjunto ao também antigo, Projeto Memória Ferroviária de Pernambuco (MFPE), o qual esperamos expor futuramente. Extensas vias e dezenas de estações até hoje marcam o legado do estado, a segunda rede inaugurada no Brasil. que significativamente detém a estação mais antiga em funcionamento (Cabo de Santo Agostinho), o túnel mais antigo (o do Pavão, na linha sul) e o Trem do Forró, um dos mais tradicionais trens turísticos-culturais do Brasil, ativado em 1991.
Assim como um país tão extenso como é o Brasil, tem em sua defasagem ferroviária um grande problema logístico (transporte de cargas e passageiros). Exaltar a história e discutir o que pode a vir do futuro é essencial para pensarmos rumos de progresso. A respeito do tema, em voga com a recente sanção (dezembro de 2021) de um novo Marco Legal do Transporte Ferroviário, vale destacar que matérias exclusivas sobre o panorama histórico podem ser vistas pelo Youtube da BBC e no portal educativo Mega Curioso. salientando-se ainda as alarmantes tentativas de roubo de trilhos noticiadas este mês.
Um passado de trens...por que não um presente também? “O principal objetivo de todo este trabalho é manter a memória ferroviária viva para as novas gerações que nunca tiveram contato com a ferrovia, dando-lhes a oportunidade de conhecer estes bens que pertencem a todos os pernambucanos”, enfatiza Ariston Marcelino, que compõe a direção da Regional Pernambuco da ONG Amigos do Trem e tem coordenado as atividades do Projeto Serra das Russas, consagrado em reportagem da Revista Algo Mais.

Por André Cardoso
Historiador e Diretor Regional Pernambuco
A ONG Amigos do Trem é um movimento de preservação do patrimônio ferroviário que se organizou em Minas Gerais a partir da iniciativa do saudoso Paulo Henrique do Nascimento, falecido precocemente no ano de 2018, em função de um câncer no pulmão. A paixão pela ferrovia e a vontade de ver a reativação do transporte ferroviário de passageiros motivou a atitude de Paulo, que em 2001 fundou oficialmente a ONG, com sede em Juiz de Fora-MG. O movimento se espalhou pelo Brasil anos depois. Hoje, a entidade é uma OSCIP – Organização Social Civil de Interesse Público, presidida por Cyntia Nascimento, desde 2018. Ela tem conduzido esse importante movimento com maestria, empenhando-se na implantação do Trem Rio – Minas e em outros intentos das direções regionais da ONG, situadas em Pernambuco, Sergipe e Espírito Santo.
A ONG não apenas objetiva a reativação do tráfego ferroviário e a preservação dos bens materiais ligados à ferrovia: a proposta de preservar o patrimônio ferroviário é um dos objetivos da entidade e tem relação com a vontade do movimento em fomentar a atividade turística através do transporte sobre trilhos e buscar trazer de volta o modal ferroviário à atividade com o intuito de diversificar o serviço de transporte de passageiros nas mais diversas regiões onde atua no Brasil.
A Amigos do Trem ampliou-se para Pernambuco em 2013, a partir da adesão de alguns entusiastas que também demonstravam preocupação pelo patrimônio ferroviário no estado e a vontade de ver a malha ferroviária novamente em funcionamento. Ao vislumbrar a possibilidade de expansão do movimento e por meio deste efetuar projetos de preservação do patrimônio ferroviário, iniciei os diálogos com Paulo Henrique, presidente da entidade. Dessa forma, foi criada provisoriamente a Direção Regional em julho de 2013, e logo outros voluntários se filiaram à ONG no estado, reforçando sua luta.
Nestes quase dez anos de atuação, já desenvolvemos ações de educação patrimonial e conservação da malha ferroviária; promovemos e participamos de debates em prol da reativação do transporte sobre trilhos em diversas instituições (inclusive de ensino) e fundamentamos apurações jornalísticas que tratavam do assunto. Afora, realizamos ações sociais de apoio às comunidades cortadas pelas linhas férreas no estado.
Caminhada Nos Trilhos da História
Ocorrida em seis edições até então, entre 2013 e 2016, a Caminhada foi uma das primeiras ações da ONG e que obtiveram maior visibilidade. Consistiu em caminhadas como eventos abertos por recortes da antiga malha ferroviária do estado, através das quais os participantes puderam conhecer um pouco mais da história do trem em Pernambuco, o potencial turístico e social das linhas e as paisagens diversas que se ligam ao patrimônio ferroviário. Além de buscar conscientizar a população sobre a importância do sistema e difundir o patrimônio ferroviário, tinha por objetivo mostrar a necessidade da reativação dessas engrenagens para o atendimento da demanda de transporte de passageiros, bem como seu uso turístico para alavancar economias, gerando emprego e renda às comunidades das cidades cortadas pelos trilhos.

As seis edições sucedidas levaram os participantes a caminhar pelos seguintes trechos ferroviários: 1ª edição, com registro em vídeo abaixo: Cabo – Túnel do Pavão (Linha Sul); 2ª edição: Carpina – Paudalho (Linha Norte); 3ª edição: Carpina – Nazaré da Mata (Linha Norte); 4ª edição: Paudalho – São Severino (Linha Norte), 5ª edição: Gravatá – Viaduto Cascavel (Linha Centro), 6ª edição: Carpina – Paudalho (Linha Norte).
Movimento pela reativação da Linha Norte de Pernambuco
Entre 2014 e 2016, a ONG Amigos do Trem aliou-se ao pleito de alunos do Campus Mata Norte da UPE, localizado em Nazaré da Mata, de reativar a linha férrea entre Recife e o município - para viabilizar não apenas o deslocamento dos estudantes, mas também melhorar a mobilidade entre as cidades da Mata Norte e a capital pernambucana (confira o traçado do percurso aqui). A ONG colaborou com matérias jornalísticas; envolveu-se em debates de rádios locais, promoveu um com representantes de entidades governamentais e sindicais/classe (como a CBTU e o Clube de Engenharia); integrou outros, e identicamente, realizou edições da Caminhada Nos Trilhos da História com esse foco.

Adicionalmente, a Amigos do Trem estreou um trabalho de fiscalização voluntária e inspeção em parcelas da linha, introduzindo um trabalho de conservação entre Recife e Camaragibe. A entidade defendeu a implantação de um trem turístico, de forma a fomentar a economia da região, preservando o patrimônio e abrindo os caminhos para a implantação de trens regulares de passageiros.
Projeto Serra das Russas
O Projeto Serra das Russas é o atual foco da ONG Amigos do Trem em Pernambuco. Tem como objetivos principais a limpeza e a conservação inicialmente do intervalo ferroviário entre o túnel 1, Russinha e o túnel 14, em Gravatá (de aproximadamente 14 km), cravado na Linha Centro de Pernambuco. O fragmento é tombado pelo Governo Estadual desde 1986, conta com 6 viadutos e 14 túneis, estes construídos no século XIX.
Em 2016, durante uma das Caminhadas Nos Trilhos da História, a entidade destacou seu potencial turístico e enfatizou as consequências negativas do abandono deste importante patrimônio, o que gerou uma matéria no Jornal do Commercio, chamando a atenção de gestores e da sociedade civil para o segmento ferroviário gravataense. Como consequência do ato, houve uma manifestação pública da ALEPE, através do deputado Waldemar Borges, em reconhecimento à importância do ponto em questão e às ações da ONG.
Adiante, em agosto de 2017, durante uma nova caminhada de reconhecimento, voluntários da entidade decidiram concentrar os esforços para a recuperação desta parte da linha férrea e em unir parceiros para a viabilização do turismo sobre trilhos na região, como alternativas para a preservação desse patrimônio. Os trabalhos instauraram-se ainda em agosto de 2017 e nestes quatro anos a ONG já conseguiu desobstruir cerca de 8 km de via férrea principiando em Russinhas, com destino ao túnel 14.
O trecho estava sem tráfego desde pelo menos o ano de 2000 e assim, com a ausência de manutenção e fiscalização, foram muitos os danos, problemas que têm sido revertidos aos poucos a partir das ações da ONG. Estão sendo feitos serviços de capinação, remoção de terra e de grandes desmoronamentos de rochas sobre a via (e até lixo) - dentre outras atividades (como troca de dormentes e de talas de junção), de modo a mantê-la em mínimas condições, enquanto procuramos recursos para sua plena recuperação.
No Projeto especial, a ONG conta com uma equipe de 17 voluntários, que a cada 15 dias (geralmente aos domingos) saem de Recife, por volta das 6h da manhã, com destino a Russinhas, retornando somente ao final do dia. Todas as atividades são financiadas pelos voluntários. Há uma mensalidade da qual a entidade faz uso total dentro do empreendimento.
Ações Sociais
Em 2019, a entidade concretizou sua primeira ação social no dia das crianças, financiada pelos próprios integrantes da ONG. Já em 2020, através de uma parceria com o "Mãos que Ajudam", da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, doamos cerca de 500 máscaras para a população que vive na comunidade de Russinha (Gravatá) e entorno. Hoje, estamos com um orçamento apertado, porém estamos estudando outras ações para 2022. As ações sociais são uma contribuição a mais da ONG para o bem estar das comunidades cortadas pelos trilhos, tornando as populações parceiras do projeto (até mesmo nos trabalhos e na fiscalização). De maneira complementar, frequentemente participamos de debates em unidades de ensino: tanto escolas como universidades, bem como eventos especiais de datas alusivas à preservação do patrimônio público.
Reuniões com Políticos, Audiências Públicas e Acompanhamentos em Vistorias Técnicas
Acompanhamos também, à convite, visitas técnicas e vistorias de diversos órgãos públicos, tanto de governos locais, como da própria CBTU. Encontros diretos com os governos somam-se à dinâmica: em foto de destaque a seguir, o registro da reunião com o prefeito e secretários de Gravatá (agregados a representantes das comunidades locais), em dezembro de 2017, na qual discutimos possibilidades de parceria para implementação de eixos de turismo sobre trilhos.
No mesmo ano, comparecemos a uma mesa-redonda promovida pela Secretaria da Cultura de Camaragibe (região metropolitana), que trouxe para discussão possíveis usos para a requalificação da estação ferroviária da cidade (a intenção era como centro cultural). É uma pauta nossa ademais, a reativação de serviços até a localidade. Digno de menção que, igualmente estivemos presentes em outro semelhante, de 2015, em Jaboatão, e em uma audiência pública na ALEPE que debateu a conjuntura estadual.
Os recursos que possibilitam as atividades vêm de doações dos voluntários. É importante ressaltar que até agora a ONG não recebeu quaisquer incentivos financeiros dos governos federal, estadual ou municipal. Por conseguinte, a Regional Pernambuco está procurando parceiros para ajudar nos custos das atividades. Há uma casa alugada na comunidade de Russinha que serve como estrutura de apoio, onde são guardadas as ferramentas que foram doadas pela Companhia Brasileira de Trens Urbanos - CBTU e pela Ferrovia Transnordestina Logística - FTL, atual concessionária da parada e que reconhece oficialmente as ações da ONG.
Atualmente, um antigo troler ferroviário (recém-motorizado) e dois vagonetes possibilitam a locomoção das ferramentas e equipe. A ONG também conta com um auto de linha (veículo de inspeção ferroviário de pequeno porte), mas que pelo fato de a linha por ora não estar nas condições adequadas, não está sendo empregado. Ele foi adquirido como carcaça junto à FTL em 2015 e recuperado com recursos dos voluntários da ONG e o apoio da CBTU-Recife, que executou todos os serviços no Centro de Manutenção de Cavaleiro, Região Metropolitana do Recife.
Para nós é uma grande alegria poder contribuir com a preservação de ao menos um pedacinho deste enorme patrimônio. O trabalho é difícil, mas nos reconhecemos como responsáveis por esses bens enquanto sociedade civil e então, fazemos nossa parte em contribuir para que outras pessoas façam o mesmo. Esperamos poder trazer o trem de volta dentro das possibilidades, com novos usos, devolvendo esse patrimônio preservado à sociedade.

Os trabalhos da ONG Amigos do Trem podem ser acompanhados através das redes sociais. Quem quiser saber mais, contribuir e ser parceiro do "Projeto Serra das Russas" pode entrar em contato através do e-mail amigosdotrempe@gmail.com, pelo telefone (81) 99636-3913, ou através dos perfis oficiais.
| + Confira entrevista com os criadores:
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| Confira os detalhes da revitalização da Estação de Moreno, na RMR:
| Entenda sobre a revitalização de outras Estações no estado, através do "1º Encontro com Gestores sobre o Patrimônio Ferroviário de Pernambuco", 2021:
Como filho de ferroviário estou encantado com a descoberta dessas atividades e da organização, parabéns!!!
Regional no ES foi desativada, agora é Amigos da Ferrovia ES.